Aquele cheiro de feijão cozinhando foi demais para aquele garoto.
Depois de muito tempo nas ruas, comendo os restos do que conseguia, ele se deixou levar pelo aroma daquele feijão e, quando viu, estava batendo palmas naquela casa de onde vinha o aroma tão marcante. Uma senhora de cabelos brancos e com um avental na cintura, atendeu e não se assustou com a roupa dele, já muito gasta, nem pelos seus cabelos enormes, que há muito não via um corte.
- "Que foi meu jovem, em que posso ajudá-lo?".
O garoto ficou mudo diante daquele rosto tão bondoso. Sua voz não saía, e ele gaguejou:
- "Bom...bom...bom dia. Sabe, é que eu senti o cheiro do feijão cozinhando e lembrei da minha mãe, lembrei da fome e resolvi pedir um pouco, se a senhora puder. Pode ser num copo plástico mesmo, só para eu poder matar a vontade de comer esse feijão tão cheiroso.
Aquela senhora ficou surpresa com o desejo daquele menino. Sim, apesar das roupas velhas e sujas, do rosto marcado pela sujeira, aquele rapazote não deveria ter mais do que 15 ou 16 anos.
Até hoje ela não sabe o por quê daquele gesto tão incomum nos tempos atuais, onde a violência está em cada esquina.
O fato é que ela se comoveu com aquele menino e pediu para que entrasse.
Ele não sabia o que fazer. Nunca alguém o convidara para entrar em uma casa.
O máximo que faziam era dar uma comida misturada em embalagem plástica de sorvete, que normalmente as pessoas nem queriam de volta, como se ele tivesse alguma doença contagiosa.
Timidamente ele entrou naquele quintal enorme e, seguindo aquela senhora tão amável, entrou em uma cozinha muito bonita, simples, com azulejos azuis claros nas paredes, piso vermelho brilhando, uma mesa e 4 cadeiras brancas. Na mesa, uma toalha muito branca e já sobre ela, arroz em uma travessa, água fresca, pratos e copos."Ah, meu Deus, o paraíso deve ser assim!", pensou!
Sem saber o que fazer, ficou ali, na porta, em pé, observando aquele ambiente que lhe deu uma paz indescritível.
Ele já estava andando pelas ruas há mais de 4 anos, desde que sua mãe morreu, sem nenhum parente, lembrava-se apenas da mãe dizendo que teve um paizinho muito querido, que morava na capital que ela amava muito e queria tanto ver.
Lembrava da mãe chorando todas as noites, falando baixinho para ele não acordar, da saudade do pai. Nesse instante veio mais forte a saudade da mãe tão amada, que morreu de uma doença nos pulmões, sem rever os parentes.
A mulher voltou trazendo uma toalha e algumas roupas usadas, mas muito limpas, e foi falando para ele tomar um bom banho e se trocar, enquanto ela acabava de preparar o feijão.
Sem saber muito o que fazer, o garoto tomou o banho mais gostoso da sua vida.
Aos poucos, aquela marca e aquela casca impregnada das ruas foram saindo. Junto iam as dores, as mágoas, e ele se pegou cantando.
Quando saiu do banheiro, Dona Benedita como se chamava a bondosa senhora, ficou parada olhando para aquele rosto, os cabelos cheios de cachos...
Imediatamente lembrou-se da sua filha, que saíra de casa numa briga com o pai. Ela engravidara de um rapaz que não quis assumir a criança.
O Pai, homem das antigas, não soube entender a filha caçula, grávida e sem marido, e, num gesto impensado, a mandou embora.
Os dois discutiram e ela saiu naquela noite de setembro e nunca mais deu notícias.
Aquilo foi demais para o velho pai, que, apesar do modo grosseiro de tratar os filhos, rude, acostumado somente ao trabalho, amava como louco a sua filha, e todos os dias, depois que ela partiu, saia às ruas atrás de notícias, de alguma pista que o levasse até ela. Arrependido, ele foi definhando, definhando e morreu 4 meses depois, sem nunca mais a ver.
E ali estava aquele rapazote, com o rosto parecido com o da filha. Mas, Dona Benedita voltou à realidade do feijão na mesa, e o mandou sentar.
Quando o rapaz colocou a primeira garfada na boca, foi emocionante. Dona Benedita, percebendo a situação, perguntou: "Que foi filho? O feijão tá tão ruim assim que te fez chorar?".
Ele sorriu timidamente e disse que não. Era apenas a lembrança da mãe que ele amava tanto...
Em silêncio eles comeram e, notando o apetite do rapaz, ela mesma o serviu mais duas vezes. Depois, ela passou um café; perguntou o seu nome; quis saber um pouco da sua história. Ele só falou o nome e saiu agradecendo a sua melhor refeição dos últimos tempos.
Meia hora depois, com roupas limpas, banho tomado e barriga forrada, o garoto acabou descobrindo que estava na vila onde sua mãe tinha nascido e isso acendeu a sua esperança.
Mas, quando a noite chegou, ele viu, pelas luzes que se acendiam, que aquele lugar era muito grande, e sem maiores detalhes do avô e da avó que nunca tinha visto, imaginou que seria impossível encontrar os parentes.
Enquanto isso, Dona Benedita, estava no seu quintal, observando a noite. Tem sido assim desde que a filha sumiu no mundo.
Sempre olhando para o céu, ela sempre nota que uma estrela se destaca das outras, É para essa estrela que ela se dirige há muitos anos, como se fosse para a própria filha. Nessa noite, seu coração estava inquieto. Aquele rapaz na cozinha mexeu com ela.
Ao olhar para a sua estrela favorita, notou que ela parecia girar, brilhando mais forte.
Dona Benedita imediatamente reviu a imagem do garoto e ficou pensando...
No dia seguinte saiu bem cedo, sem destino. Passou pelas ruas perguntando se alguém tinha visto um andarilho, descrevendo-o. Ela precisava tirar uma dúvida e não podia perder a chance.
Encontrou-o numa praça, sendo abordado por dois policiais, que o agarravam com ares de poucos amigos. Dona Benedita chamou-o pelo nome e, ao olhar para ela, os policiais o soltaram e perguntaram se ela o conhecia. Ela respondeu afirmativamente, o que fez com que o menino fosse liberado.
Assustado, o garoto agradeceu pela gentileza e Dona Benedita o fez sentar no banco e contar a sua história. Conforme ele ia contando, a mulher percebia os pontos em comum com a história da sua filha: o tempo decorrido e a sua idade, os cabelos cacheados e aqueles olhos, que agora ela parecia ver como um espelho, que refletiam os olhos do seu amado marido. Quando ele falou o nome da sua mãe, Dona Benedita começou a chorar. Chorou tanto e abraçava tanto o garoto que ele ficou com medo de ela morrer: "Mas, dona, o que foi que eu fiz?... Por favor, me fale... Pare de chorar.
A mulher secou as lágrimas e contou a história da filha. Então, Ele percebeu que a sua busca tinha acabado. Ele acabou de encontrar a sua família e foi a vez dele se entregar naquele colo e chorar.
O tempo passou...
Mais de 12 anos depois daquele "encontro". O garoto da nossa estória, agora homem formado é arquiteto de muito prestígio na construtora onde trabalha. Casou-se e tem dois filhos e, mesmo podendo morar num elegante apartamento, preferiu ficar naquela casa que o abrigou, ao lado da sua avó, que sempre faz aquele feijão cheiroso que o conquistou.
E toda noite Dona Benedita ainda sai para o quintal, olha para o céu e fala com a filha, olhando para aquela mesma estrela, que agora, desde o dia em que o neto apareceu, tem outra estrela ao lado.
Ela tem certeza que pai e filha se reencontraram no céu, no lugar onde o amor venceu e sempre vencerá...
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